[ ORIGINAL ] ONDE ESTÁ JESS? – 10

10 – Loraine

– Não! – Minha irmã falou mais alto do que eu esperava e do que eu achei que fosse possível. Sarah olhou para ela assustada, sem entender o porquê o tom de voz da minha irmã tinha ficado tão alto de repente. – Não, podemos falar nada disso para o Alexandre.

– Seria uma ajuda a mais, ele deve conhecer pessoas. – Falei, com a mesma expressão no rosto que nossa nova amiga tinha, confusa por ouvir o pedido de Natasha.

– Ele estuda seres do mar, Loraine, nós seriamos mais um para ele tentar entender.

Abri a boca para falar alguma coisa, mas só o que saiu foi um “ah” mudo. É claro que Natasha tinha pensado nisso e eu não, ela sempre foi mais rápida em entender as coisas e analisar a situação. Acho que sempre estive muito bem protegida por minha família que nunca precisei pensar em consequências ou no que poderia acontecer no futuro, porque sempre tinha gente fazendo isso por mim. Sarah estava parada olhando na direção da minha irmã, como se estivesse pensando no que ela tinha dito e uma coisa que eu percebi foi que ela não negou quando minha irmã falou que seu amigo poderia olhar para gente como um ser marinho a ser estudado. Será que ela pensava que ele realmente poderia fazer algo assim?

– Stevens e Alexandre estudaram juntos e os dois conversam o tempo todos sobre as coisas que acontecem no mar, se pegaram uma sereia ou algo diferente no mar, ele poderia descobrir. – Ela falava enquanto pendurava a bolsa nos ombros e esperava por uma resposta. – Eu posso falar com ele, perguntar de uma forma que ele não saiba o que vocês são de verdade ou sobre o que estou perguntando.

Minha irmã não parecia totalmente convencida de que Sarah poderia perguntar sobre Jess, sem mencionar a gente de alguma forma, mas como estávamos ficando sem tempo e finalmente tínhamos um ponto de partida, ela não iria desperdiçar essa chance. O resto do dia passou bastante rápido, ajudamos Sarah a tirar o resto das fotos com os animais, como Natasha tinha uma conexão muito grande com vários deles mesmo que não os conhecesse, tudo ficou mais fácil e antes da hora do almoço, Sarah tinhas todas as fotos que precisava. Não encontramos com Alexandre dessa vez, ouvimos de algum outro humano que ele estava ocupado resgatando outro animal que havia ficado preso em uma rede de pesca, então, não encontramos com ele na hora do almoço, que era exatamente o momento que iriamos usar para perguntar se ele sabia de alguma coisa. O que eu mais achei estranho foi a reação da Natasha ao ouvir sobre onde ele estava, provavelmente, porque ela já tinha ajudado vários animais antes dos humanos chegarem e ouvir que os humanos foram chamados dessa vez, pela expressão confusa e decepcionada, deve ter imaginado que os Viajantes não tinham sido rápidos o suficiente para ajudá-lo. As vezes até penso que ela se importa muito mais com os animais do mar do que com o nosso povo.

Enquanto caminhávamos de volta para casa de Sarah, eu me sentia mais tranquila e com menos peso nas costas. Não que eu saiba exatamente o que é um peso nas costas e como colocar isso nas costas, mas Sarah disse que era uma expressão que humanos usavam quando não estão confortáveis com alguma coisa ou guardam algum segredo que finalmente podem falar. Era como se livrar de uma culpa e sobre isso eu entendia muito bem. Não falamos sobre sermos sereias no meio da rua durante o caminho, mas Sarah comentou várias vezes que assim chegássemos em casa ela iria perguntar muitas coisas que sempre teve curiosidade de saber. Natasha estava totalmente calada desde que conhecemos Stevens e parecia ainda mais séria a cada segundo que passava, ela sempre foi a mais desconfiada de nós três, mas algo a estava incomodando e isso estava me deixando preocupada e confusa. Como cresci apenas com minhas irmãs em nossa caverna, posso dizer que tudo o que sou ou conheço, vem delas. Eu era muito nova quando meus pais foram morreram, então, não tive muita influência deles e as vezes até esqueço como eles eram. Não me orgulho disso, mas boa parte das minhas lembranças envolvem minhas irmãs. Muitos dos momentos, lembro de ver Natasha nervosa ou preocupada por algum motivo e eu sentir que algo estava errado ou que algo ruim poderia estar para acontecer, apenas por olhar sua expressão. Era exatamente isso que eu estava sentindo novamente.

Quando entramos em casa, Sarah começou a fazer várias perguntas das quais nem eu e Natasha sabíamos responder. Coisas como porque não usávamos sutiã de concha e porque tínhamos escamas no corpo todo. Eram coisas estranhas de se perguntar, afinal, porque usar conchas e o que eram sutiãs? Só quando percebeu que não fazíamos ideia do que ela estava falando, novamente, ela sorriu e nos mostrou algumas imagens, foi como Sarah chamou, sobre como os humanos imaginavam que eram pessoas da nossa espécie ou sereias, como erámos conhecidas por aqui. Até uma foto da Ariel, que eu nunca tinha visto. Claro que eu não podia ficar calada em uma situação dessa. Sarah estava nos mostrando tudo o que sabiam sobre nosso povo, as histórias que acreditavam ser verdade sobre nós, os contos de fadas que ela mencionara antes. Tudo sobre os humanos era tão fascinante, até como eles viam a nossa espécie era interessante. Por um momento eu até pensei que poderia existir uma época onde poderíamos nos misturar e sermos todos amigos, ajudando uns aos outros, mas lembrar dos meus pais e minha irmã sendo levada por esse mesmo povo, pela primeira vez, me pensar que todas as histórias que nos contam no mar existem por um motivo maior: proteger um povo inteiro de outro que nos veria como forma de ganhar algo. Estando aqui, eu entendi isso. Fomos sortudas de Sarah estar na praia naquele dia.

Mais tarde naquela noite, estávamos vendo as fotos que tiramos na praia pela manhã, quando ouvimos um barulho vindo da porta, como se alguém estivesse batendo na madeira. Olhamos para Sarah, confusas e ela apenas levantou da cadeira da cozinha e foi até lá. Ficamos caladas observando de longe enquanto ela conversava com alguém do outro lado. Quando ela se virou, trazia algo nas mãos, como uma grande caixa com vários furos dos lados e era colorida, com um tom de verde que eu só via nas algas que tomavam mais sol, como um verde claro, mas com aparência molhada.

– Eu esqueci totalmente disso aqui. – Ela falou, levantando a caixa, o que me deixou mais confusa. – Vocês têm alergia a gatos? – Desviei o olhar para minha irmã que fez o mesmo, esperando que a outra respondesse à pergunta até a própria Sarah perceber que não sabíamos sobre o que ela estava falando. – Vou mostrar para vocês.

Com a caixa no chão, ela abriu a porta feita de metal com espaços quadrados e quando me abaixei para olhar o que tinha dentro, algo pulou para fora. Corri para longe, assustada e acabei usando o sofá como barreira para me proteger do que quer que fosse aquilo. Levantei a cabeça lentamente para tentar dar mais uma olhada no que tinha saído da caixa e eu nunca tinha visto algo parecido em toda minha vida. Era um animal, disso eu tinha certeza. Tinha quatro pés, era pequeno e bastante rosado, pareciam que tinham dobras na pele. Sua calda era bem comprida e fina, estavam balançando de um lado para o outro de forma lenta. Suas orelhas eram grandes e pontudas no topo da cabeça. Não parecia normal.

– Esse é o sr. Peludo. O que é bem irônico, porque ele é um gato chamado de Sphynx, ou seja, são gatos conhecidos por não terem pelos nenhum. – Natasha estava afastada, olhando de forma curiosa para o animal que agora andava pela casa de forma sorrateira e cautelosa. – Não se preocupem, ele é bem calmo. Não é a primeira vez que cuido do sr. Peludo.

Sarah e Natasha foram em direção a cozinha, não ouvi muito bem o que iriam fazer, mas eu fiquei por perto do animalzinho que usava a língua limpar um de seus pés da frente. Ele estava completamente tranquilo, parecia não ter preocupações a não ser deixar seu pé limpo. Tomei cuidado ao me aproximar, será que eu poderia ter amizades com animais humanos como Natasha tinha com animais marinhos? Talvez fossem tipos diferentes, mas eu ajudaria em alguma coisa, certo? Quando ele percebeu que eu estava me aproximando, apenas levantou a cabeça sem muito interesse e me olhou. Esperei para ver se ele iria se aproximar, mas não tive nenhuma reação e continuei a me aproximar. Estiquei a mão para tocar sua cabeça, com medo de que ele fosse afastar ou sair correndo, mas assim como algumas estatuas que encontramos no fundo mar, ele continuou parado e deixou que eu o tocasse. Alguns minutos depois, eu estava brincando com sr. Peludo, usando o que Sarah chamou de brinquedos.

Durante o jantar, com a ajuda de uma coisa fina e grande, que Sarah abriu como se fosse uma concha, começamos a procurar por pistas que pudessem nos levar até nossa irmã, mas não achamos muita coisa. Tudo o que tinha na internet era sobre a nossa história, sobre as sereias e sobre os mitos que existam sobre nossa espécie, o que era bem legal de aprender, mas não era o que estávamos precisando saber. Passamos horas procurando alguma pista e ainda não encontramos nada.

– Não adianta. Eles não colocariam nada disso na internet, seria burrice. – Sarah falou usando um tom frustrado. – Alguém de dentro da empresa deveria saber, mas acho difícil. Eles não sairiam contando para todo mundo que pegaram uma sereia. Seria perder dinheiro.

– O que quer dizer com isso? – Minha irmã perguntou com uma expressão preocupada e confusa, não sabíamos nada e não tínhamos ideia do que podiam estar fazendo com nossa irmã e isso era extremamente assustador.

– A empresa do pai do Stevens se preocupa apenas em ganhar dinheiro, ser a maior empresa do mercado. Uma informação como essa vazar, ou melhor, se essa informação se espalhar, ele poderia perder dinheiro. – Ela comentou, ajustando as palavras para que nós entendêssemos. – Se o Stevens souber de algo, duvido que ele conte. Vamos ter que pensar em outra maneira de conseguir saber se a irmã de vocês está bem.

– Quanto tempo isso vai demorar? – Natasha perguntou, provavelmente já analisando a situação e contando os dias em que estamos na terra e quantos faltam para irmos embora. O medo de voltar para água sem a minha irmã estava começando a tomar conta. A culpa, estava começando a pesar na minha mente.

– Dias, talvez, semanas. Tentar convencer que alguém de dentro solte essa informação pode demorar. Se tivéssemos mais dinheiro, poderia ser mais fácil, mas infelizmente, vocês caíram nas mãos da pessoa mais lisa desse lugar. – Brincou.

– Não temos dias. Não temos semanas. Temos que encontrar nossa irmã amanhã! Nós temos que pegar Jess e voltar para água! – Gritei, jogando a almofada do meu colo no chão. – Nós tínhamos sete dias para fazer isso e já usamos três! – Natasha levantou da cadeira e veio até mim, assustada. Senti seus braços me envolverem em um abraço e no mesmo instante, senti algo escorrer por meu rosto, molhando a bochecha e meu queixo. Afastei o corpo, totalmente assustada por sentir a água sair dos meus olhos, Sarah estava em pé logo atrás da minha irmã e parecia confusa.

– Como assim vocês tinham sete dias?

– Eu combinei com ela que tentaríamos achar nossa irmã em sete dias. Se isso não acontecesse, voltaríamos para a água sem ela.

– E por que vocês fariam isso? É a irmã de vocês.

– Nós não devíamos nem ter saído da água. É proibido.

– O que é isso? – Interrompi a conversa das duas e mostrei meu rosto para Sarah que soltou uma risada divertida, mas ao ver que não estávamos rindo ela respirou fundo e pegou uma das toalhas e me entregou.

– Você está chorando. Isso acontece quando estamos tristes, frustrados, felizes e mais por um monte de motivos. – Usei a toalha para limpar o rosto e respirei fundo, tentando me acalmar, como Sarah havia me ensinado.

– Nós precisamos voltar com nossa irmã para casa… Eu não vou conseguir carregar mais essa culpa.

– Vocês já vieram aqui fora, estão erradas de qualquer forma, então, se forem voltar e encarar, seja qual for a forma de punição de vocês no mar, pelo menos saberão que a Jess está salva e na água.

– Nat, por favor… – Minha irmã olhou para mim e depois para Sarah. Seu olhar pensativo indicava que o que nossa amiga tinha dito poderia ter feito ela cogitar na hipótese de realmente ficarmos mais um tempo ou até acharmos nossa irmã. Eu estava torcendo para que fosse a segunda opção. Apesar de não fazer muito tempo do pequeno discurso, parecia que eu estava esperando pela resposta fazia anos e que ela não tinha intenção de chegar tão cedo. Conhecendo a Natasha como conheço, devia estar analisando todas as possibilidades antes de tomar qualquer decisão ou pensando em como dizer não. Dessa vez, eu estava torcendo para ser a primeira opção.

– Assim que acharmos nossa irmã, vamos embora. Sem mais. – Pulei e abracei minha irmã, agradecendo a ela mentalmente. Nós vamos ter mais tempo e uma chance de acharmos a Jess.

– Bom, já que vão ficar por aqui, é melhor que aprendem a se misturar. Eu não posso ficar o tempo todo ensinando como tudo funciona, vão precisar agir da forma mais natural possível. Amanhã vou levar as duas para dar um passeio pela cidade, para verem como nós humanos nos portamos e vamos dar um jeito de encontramos a irmã de vocês. Mas precisam confiar em mim, certo?

Nós duas concordamos com a cabeça e ela sorriu.

Natasha não parecia totalmente animada com a ideia de conhecer o mundo dos humanos, mas eu, estava adorando a ideia. Fui dormir com um sentimento estranho no peito, algo como felicidade com uma mistura esquisita de um frio na barriga que eu nunca sentira antes.

Preciso lembrar de perguntar como Sarah chamaria isso.

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