[ ORIGINAL ] O LIVRO DE AURUM: O LIVRO NEGRO – 6

Capítulo Seis

Sempre imaginei como seria encontrar meu pai.

Quando eu era criança, sonhei várias vezes com esse momento. O que eu iria falar, se iria abraça-lo, se ele estaria feliz em me ver, em todas as vezes, minha mãe estava comigo. Agora, o homem a minha frente olhava para mim de forma assustada. Com certeza ele não esperava que naquela noite ao voltar para casa, uma garota iria aparecer e dizer que ele era o pai dela. O que eu tinha na cabeça ao imaginar que ele iria me aceitar de cara?

— Você é filha da Paola? — Ele estendeu a mão e pegou a foto. Seus dedos correram pela imagem da minha mãe sorrindo ao seu lado anos atrás. Por um momento, seus olhos ficaram sem brilho e escuros, como se estivesse vivendo alguma coisa muito sombria.

— Sim. — Respondi, sem saber como ele iria reagir. — Me chamo Verônica.

Ao ouvir minha voz, ele olhou para mim. De repente seu rosto assumiu uma expressão de reconhecimento que eu nunca vira antes em ninguém. Com alguns passos ele se aproximou, pegou minha mão e colocou a foto na minha palma.

— Pode me seguir? — Assenti, enquanto ele pegava minhas malas e caminhava pela trilha de pedras em direção a garagem na lateral da casa. Suas mãos foram até seus bolsos e em seguida o portão de metal abriu fazendo um rangido assustador. — Aliás, eu me chamo…

— Robin. Robin Bishop. — Interrompi, falando em voz alta, pela primeira vez, o seu nome. Ele olhou em minha direção por cima dos ombros e sorriu, acenando positivamente com a cabeça.

— Eu uso essa garagem para fugir do mundo e ninguém entra aqui, então você pode ficar aqui enquanto isso. — Robin moveu os braços, indicando que eu podia entrar e assim que estávamos cobertos, ele apertou alguma coisa em um dos bolsos, provavelmente o controle, e fechou o portão. Por instantes, ficamos parados na escuridão, até que ele se moveu e acendeu as luzes. — Você tem os olhos da sua mãe.

— Assustadores, você quer dizer.

— Não, o vermelho é bonito. Sempre gostei dessa cor. — Abracei meu corpo, sentindo uma sensação estranhar ao ouvi-lo falar da minha mãe. Eu precisava, e iria contar, que ela estava morta, só não sabia como e quando. — Você se importa de ficar aqui por algumas horas? Minha família não sabe sobre sua mãe…

— Claro, não tem problema. — Respondi, antes que ele precisasse complementar.

— Volto daqui a algumas horas. Tem um colchão ali, caso queira dormir… — Ele apontou para o canto escondido da garagem e sorriu, completamente sem jeito.

Minutos depois, ele havia entrado em casa e pude ouvir o barulho da porta trancando. Com um suspiro, comecei a andar pelo lugar. No canto direito, uma mesa enorme ocupava a maior parte da parede. Em cima, várias ferramentas para mexer com madeira, estavam penduradas e limpas, como se nunca tivessem sido usadas. Apesar da grande quantidade de coisa guardada ali, nada estava fora do lugar. Cada coisa tinha seu espaço e, tenho certeza, se eu mexesse em alguma coisa, o Robin iria perceber. Uma coisa em que os dois eram bem parecidos: obsessão por organização. Abri um sorriso ao notar essa semelhança e me aproximei da bancada.

No canto, tinham algumas fotos. Ele estava abraçado com uma mulher loira, de olhos verdes. Junto deles, dois meninos posavam para a foto sorrindo. Os dois se pareciam, possivelmente eram gêmeos. Os olhos eram da cor da mulher, o verde escuro, já o cabelo era castanho como o do meu pai. Dezesseis anos era muito tempo, era certo de que ele iria seguir com a vida e encontrar uma nova família, agora, parecia um absurdo imaginar que ele estaria esperando. Ou, que teria ficado sozinho. Em suas anotações, minha mãe comentou que haviam efeitos colaterais para aqueles que tinham consumido uma grande dose de qualquer poção, mas que ela não conhecia quais eram esses efeitos para a poção do amor, porque eles variavam. Será que meu pai passou por algum desses efeitos ou ainda está sob?

Sentei no colchão, arrumando minha mala ao meu lado e fiquei ali, quieta. De todas as coisas que eu queria fazer, a última delas era pedir a ajuda do meu pai para acabar com os vampiros antigos. Talvez, ele nem se lembre que minha mãe era uma vampira e que existe uma quantidade enorme de vampiros escondidos pelo mundo. Era arriscado, mas com a morte da única pessoa que eu podia contar, essa era minha última opção. Mas, e se ele não concordasse em me ajudar? E se não lembrasse de quem minha mãe era e se recusasse a ficar perto de mim? Ai, eu estaria em apuros e sem destino.

Enterrei as mãos no rosto e fechei os olhos, esperando que aqueles pensamentos fossem embora sozinhos. Minha situação já estava ruim o suficiente para ficar pensando em quão pior ela pode ficar, mas talvez, eu devesse. Pensar nas piores hipóteses e bolar um plano b, porque ao que parece, minha mãe não pensou nisso. Era até engraçado pensar que minha mãe estava tão apaixonada pelo mesmo homem por anos e sempre achou que ele também estaria. Voltei a folhear um dos diários que minha mãe costumava escrever e acabei não percebendo quando a porta abriu. Meu pai desceu a pequena escada, trazendo em uma das mãos um prato e um copo alguma coisa que espumava na outra. O cheiro, do que quer que fosse aquilo, invadiu a garagem e por mais estranho que pudesse ser, o cheiro me agradou.

— Eu trouxe para você. A minha esposa, Madeline, cozinha muito bem e sempre se supera. — Um sorriso sem jeito tomou conta do semblante do meu pai e eu apenas acenei com a cabeça. — E, eu trouxe refrigerante, não sabia do que gostava. E bem, adolescentes sempre gostam de refrigerante.

Robin deixou o prato e o copo em cima da mesa e se afastou, fazendo sinal para que eu ficasse à vontade. Olhei em sua direção e para a bancada, existiam muitas perguntas que eu queria fazer e a primeira delas era se ele realmente lembrava da minha mãe, como ela realmente era.

— Se não quiser comer isso, eu posso arrumar outra coisa. — Sua voz saiu baixa, como se estivesse evitando falar alguma coisa em voz alta. — Sua mãe não comia esse tipo de coisa. Onde ela está, falando nisso?

— Morreu. — Falei, sem rodeios. Robin deu cruzou os braços, olhando em minha direção com surpresa. — Faz alguns dias.

— Mas sua mãe não podia morrer… Eu sei o que ela era e você tem os olhos dela, então, creio que seja igual.

— Você quer dizer que lembra que ela era uma vampira? — Perguntei, levantando do colchão e indo em direção a bancada. No prato tinha um pedaço de algo marrom que cheirava a carne, com uma coisa que parecia sangue em textura.

— Claro que lembro. É difícil esquecer certas coisas. — Ele coçou a parte de trás da cabeça. — Você é também? Uma vampira?

— Meio. — Sorri para ele, antes de me virar e pegar o copo com o líquido borbulhante. — Sou meio vampira e meio humana. — Aproximei o copo do nariz e o cheiro do que tinha dentro era extremamente doce. — Aparentemente, o sangue de humano é mais forte do que o de vampiro, por ser vivo e fresco. — Dei de ombros ao falar, colocando o copo de volta na bancada. — Foi isso que me disseram quando entrei na Academia para treinamento de sangue novos.

— Sua mãe comentou sobre esse lugar, lembro de ter achado estranho vampiros terem aulas sobre como serem vampiros. — Ele riu sem jeito. — Como foi que ela morreu?

— A mataram. — Cruzei os braços virando o corpo em sua direção. — Ela estava tentando tirar os vampiros antigos do comando, mas eles descobriram a mataram. Tiraram seus poderes.

— Mas por que? Por que ela estava tentando tirar os vampiros anciões do poder? Sua mãe tinha uma convicção muito forte, se estava fazendo isso o motivo era inquestionável.

— O Mestre da nossa comunidade usava minha mãe. — Abaixei o olhar para as minhas botas. — Quando ela voltou para a comunidade depois que eu nasci, ele teria que matar nós duas, já que ela estava há anos com os humanos e eu era filha de um humano. Mas, ele ofereceu uma casa, com tudo pago se ela fizesse o que ele pedisse. Então, por anos, minha mãe foi um tipo de brinquedo para ele.

— Cristopher Talus? — De repente a postura que meu pai assumiu o deixou tenso e eu podia sentir de onde eu estava.

— Você o conhece?

— Claro, sua mãe me contou tudo sobre o mundo dos vampiros. Algumas coisas são uns borrões na minha memória. — Robin puxou um banquinho e sentou, ainda com os braços cruzados. A tensão havia diminuído, mas algo ainda vibrava dele, como se existisse algum reconhecimento e ao mesmo tempo não. — Quando sua mãe me contou que era uma vampira, eu não acreditei. E quem iria? Para nós humanos tudo isso são apenas histórias. Eu quis fugir, mas alguma coisa me prendeu com ela por mais alguns anos. No dia em que ela me contou que estava grávida, senti algo estranho, como se alguma coisa estivesse errada e no instante seguinte, eu já não sentia mais aquele amor todo. Eu estava assustado, então fui embora.

— É, eu sei da história. — Abaixei e peguei um dos diários que minha mãe tinha. — Está tudo aqui. Ela usou os poderes de vampiros para que você se apaixonasse, quando começou a ficar fraco ela recorreu a poção do amor, que é extremamente proibida para nós fazermos. — Entreguei a ele o diário e voltei a me afastar. — Existem efeitos colaterais… para quem toma as poções, talvez, um deles é o esquecimento do que aconteceu quando estava sob o efeito da poção.

Robin pegou o diário e começou a folheá-lo. Um sorriso apareceu enquanto ele lia algumas das passagens, e antes de fechar o pequeno livro, ele encontrou uma foto e a levantou na altura dos olhos.

— Você é cara da sua mãe. — Comentou entre um sorriso. — Bom, e o que veio fazer aqui? Por que me procurou agora?

— Minha mãe reuniu provas de que os anciões não era as melhores pessoas e iria fazer com que confessassem o que estavam fazendo com ela e outras mulheres da comunidade, mas a mataram antes disso. Então, estou aqui para pedir sua ajuda para continuar com o plano b.

— Minha ajuda? Eu não sei se posso ajudar.

— Em um dos diários dela tem dizendo que você é um policial, eu não tenho ideia do que isso é, mas de acordo com o que tem escrito, pode ser útil.

— Pera, eu me tornei policial um ano depois que ela foi embora. Como ela sabia disso?

— Não sei, mas ela sabia e eu preciso da sua ajuda. Ela anotou cada passo, mas boa parte deles eu não entendi. — Peguei outro diário e abri na página que ela contava os detalhes do plano b e entreguei a ele. Meio hesitante, Robin esticou os braços e pegou o caderno. Enquanto ele lia, a garagem ficou em silêncio. Eu sabia que seria um tiro no escuro ir até lá dessa forma e pedir que ele se envolvesse com isso, principalmente agora que eu sabia sobre sua nova família. Mas eu precisava acabar o que minha mãe começou ou estaria em perigo. — E então?

— Eu prendo criminosos, pessoas ruins, mas não sei como acabar com todos os vampiros antigos como sua mãe queria fazer. Não sei como posso ajudar com isso, Verônica. Magia, poderes de vampiros e poções, essas coisas não pertencem ao meu mundo. — Seus olhos ainda estavam percorrendo sob as páginas. — Mas posso te ajudar com a pesquisa. Sua mãe conhecia bem os recursos humanos e aqui, tem até onde procurar. A internet seria o primeiro passo. Existem pessoas que acreditam na existência de vampiros e criam várias teorias sobre como mata-los e essas coisas.

— Inter… o que é isso?

Depois de minutos, seu olhar veio em minha direção. Ele me avaliou e então abriu um sorriso largo e suspirou. Fechou o caderno, levantou do banquinho e o colocou na bancada.

— Internet. É o que usamos para fazer muitas coisas por aqui. Eu preciso entrar, mas amanhã nós podemos começar. Pela manhã a biblioteca fica vazia, podemos ir lá.

— De manhã?

— Droga, o sol. — Ele bateu na própria testa. — Você disse que é meio humana, certo? Será que tem uma resistência maior ao sol que os outros?

— Não sei, nunca testei. — Abracei o corpo, prevendo o que ele iria sugerir.

— Então, amanhã nós iremos descobrir. E sobre a comida, eu não posso te arrumar sangue…

— Eu posso comer comida humana. — Respondi rapidamente, sentindo meu estômago revirar apenas com a menção do sangue. — Faz anos que não tomo… você sabe.

— Espero que goste da comida, nesse caso. Apesar de já estar gelada. — Ele sorriu, claramente aliviado ao ouvir aquilo. — Te vejo amanhã. E, hm… fico feliz que tenha me procurado. Sei que fui embora e deixei você e sua mãe sozinhas…

— Está tudo bem. Eu entendo. Era coisa demais para absorver…

— Mesmo assim… você é minha filha. — Seu olhar foi ao chão, ele parecia estar procurando as palavras corretas. — Enfim. Boa noite, Verônica.

— Boa noite…

Robin abriu a porta e passou por ela, me deixando sozinha novamente. A sensação era estranha, mas não de um jeito ruim. Eu estava com meu pai, o que poderia ter de mal nisso?

Sentei na bancada e comi o que tinha no prato, ele estava certo, estava uma delícia. Quando terminei, deitei no colchão e fiquei olhando para o teto, acompanhando o movimento da lâmpada, até que de repente, senti uma onda de cansaço me alcançar. E pela primeira vez em anos, eu, uma criança da noite, dormiu quando a lua estava em seu auge.

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Um abraço,

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