[ ORIGINAL ] O LIVRO DE AURUM: O LIVRO NEGRO – 7

Capítulo Sete

O barulho de pessoas correndo acima de mim foi a primeira coisa que ouvi assim que acordei. Minutos depois, as vozes de crianças conversando animadas atravessaram as paredes e a porta. Levantei o corpo e fiquei sentada, em silêncio. Fechei os olhos e agucei meus sentidos e pude ouvir suas vozes com mais clareza. Aparentemente, os meninos iriam para uma viagem de campo com a escola e a mãe estava preocupada se haviam pego tudo para o acampamento, seja lá o que isso significava.

Voltei a deitar no colchão e fiquei ouvindo. A dinâmica da casa parecia completamente diferente da que eu tinha com a minha mãe. Nós duas sempre fomos calmas e fazíamos o que precisávamos sem fazer qualquer som, aqui, a sensação era de que a casa iria cair a qualquer instante. A única voz que eu ainda não ouvira era do Robin, mas eu sabia que ele estava ali. Eu podia senti-lo. O barulho e os gritos continuaram por mais alguns minutos até os dois garotos saírem pela porta de frente.

A voz da moça estava baixa, mas ela estava conversando com meu pai. Finalmente, ele havia aparecido. Soltei um suspiro, mesmo sem precisar e olhei em volta. A vida dele estava acontecendo lá fora e eu estava dentro de uma garagem escondida, era estranho pensar que há um dia atrás eu ainda estava na comunidade, dentro da minha casa familiar, bolando um plano para fugir e acabar com todos os vampiros mais antigos do mundo.

O barulho da porta da frente abrindo e fechando logo em seguida chamou a minha atenção. Voltei a sentar no colchão e fiquei parada, ouvindo. Em menos de segundos, a porta da garagem abriu e meu pai entrou, trazendo outro prato com comida. Ele não estava vestido com a roupa azul cheia de coisas douradas penduras que o vi no dia anterior. Agora ele estava usando calça jeans, uma blusa de manga curta vinho e tênis, e parecia muito mais confortável dessa forma.

— Como passou a noite? Deve ter sido estranho ter que ficar acordada dentro desse lugar sem muito o que fazer. — Ao falar, esticou o braço e me entregou o prato. — São torradas e eu que fiz, espero que estejam boas.

— Na verdade, eu dormi. E isso que é estranho. — Ele fez uma expressão de surpresa e tombou a cabeça para o lado, me analisando. Peguei o prato e dei uma mordida pequena para provar um pouco da torrada e me surpreendi. O gosto era muito bom.

— Você já comeu comida humana antes?

— Já. Eram barrinhas de cereais, comi muitas dessas, a ponto de enjoar. Mas era isso ou, bem, você sabe o que. — Continuei a comer a torrada.

— É tão estranho. — Com os braços cruzados na frente do corpo, ele me observava enquanto procurava as palavras. — Às vezes, a minha memória volta quando estou dormindo. São apenas pequenos momentos, mas assim que acordo está bem fresco na minha mente. — Olhei em sua direção tentando entender aonde ele queria chegar e ao perceber minha expressão confusa, ele abriu um sorriso. — Lembro de alguns momentos com sua mãe. Um deles, foi o dia que entrei em um açougue para conseguir sangue para ela tomar. Ela estava fraca por ter passado dias sem se alimentar.

— É. Na comunidade raramente passamos fome. Deve ter sido difícil para ela. — Comentei, entregando o prato vazio para ele. — Então, podemos começar?

— Claro. O que sua mãe disse que precisávamos fazer primeiro?

Peguei o caderno que estava ao lado do colchão e abri-o nas páginas marcadas com o plano que ela bolara. Os detalhes em algumas partes eram escassos comparados com outros, mas a sequência do que devíamos fazer estava listada. Comecei a ler em voz alta cada ponto, até que vi Robin erguer a mão.

— Esse Livro Negro, não me é estranho. Acho que sua mãe comentou comigo em algum momento. — Suas mãos foram até as laterais da sua cabeça, e ele pressionou as têmporas.

— Você está bem?

— Só com dor. Noite passada os sonhos com sua mãe ficaram mais fortes e quando acordei minha cabeça pesava mais que pedra.

— Eu posso ajudar, se quiser.

— Como assim? Não vai me dizer que…

— Tenho poderes? Claro. Apesar de poder comer comida de verdade e parecer mais viva que os outros, minha mãe ainda é uma vampira… ou era. — Parei ao ver sua expressão de surpresa, ele esticou a mão e tocou meu ombro com carinho. — Não sou a vampira mais poderosa, claro. O sangue humano enfraqueceu algumas das minhas habilidades, mas ainda posso fazer alguns truques.

— Tem certeza?

— Tenho. Eu estava na Academia aprendendo a usar meus poderes. Eles ensinavam com outras, intenções, mas eu nunca gostei da forma que falavam, então só ignorei.

— Não está ajudando, Verônica. — Ele riu com nervosismo.

— O ponto é, sei usar os meus poderes para ajudar e não machucar. — Cruzei os braços, sem saber onde colocar minhas mãos. — E então?

— Tudo bem, se for resolver isso.

Me aproximei do meu pai e estiquei os braços até tocar a lateral do seu rosto. A barba por fazer raspou na minha palma, causando uma sensação estranha, mas de certa forma reconfortante. Fechei os olhos, sentindo uma corrente familiar passar através do meu braço, carregando um fluxo frio de energia até a ponta dos meus dedos. No instante em que meu poder atravessou minha pele e tocou a do meu pai, senti que ele relaxava na cadeira.

— Sumiu. — Sussurrou enquanto abria os olhos, me encarando com surpresa e alívio.

— Mesmo? — Perguntei, tentado não mostrar o espanto. — Quer dizer… sabia que iria funcionar! — Eu tinha treinado e aprendido como usar meus poderes, mas o que eu não havia contado era que não tinha tido muitos sucessos. Por sorte, dessa vez, não aumentei a dor. — Podemos continuar? Temos muita coisa para fazer.

— Ok, sim. Esse tal de Livro Negro, qual a história dele?

— Ele guarda todos os poderes dos vampiros. Nas páginas, contém os nomes de cada vampiro existente. Provavelmente está ordenado através dos anos de renascimento de cada um.

— Renascimento? — Ele coçou a cabeça.

— Todo humano que é mordido e transforado em vampiro renasce. Pelo menos, essa é a história que nos contam na Academia. Minha mãe deixou escapar uma vez que não era bem assim, virar um vampiro estava mais para morrer do que renascer, não só literalmente. — Adiantei ao perceber que ele estava prestes a pontuar que todos os vampiros estavam mortos. — Ela dizia que estava no fim da vida, doente, quando o Talus apareceu e a transformou. Ela não queria viver mais e ele lhe deu vida eterna.

— Tuberculose. — Olhei para ele confusa ao ouvir sua voz sair tão repentinamente. — Era a doença que a Paola teve. Acho que ela me disse em algum momento.

— Posso perguntar uma coisa?

— Aham. O que foi?

— Esses surtos de memória, acontecem com frequência? Em menos de doze horas que estou aqui e você já lembrou de mais coisas que eu podia imaginar por causa dos efeitos colaterais da poção.

— Não, as vezes lembro de coisas, mas é sempre muito vago.

— Vou ver se tem alguma coisa nas anotações da minha mãe sobre isso depois. — Sorri para ele. — Voltando ao livro, temos que destruí-lo. A ideia é eliminar toda a mágica e assim todos os vampiros.

— Tudo bem, parece fácil. E como fazemos isso?

— Esse é o grande problema, não sei como. Nem ela. — Entreguei o caderno para ele novamente, a página contava os experimentos que minha mãe havia feito. Todos deram errado.

— Bom, acho que podemos procurar em livros que tratam de assuntos assim. Na biblioteca deve ter alguns.

Robin levantou da cadeira, abriu a porta e indicou para que eu saísse primeiro. Hesitei, olhando em sua direção para ter certeza de que ele não iria me entregar para algum vampiro e voltar para sua vida normal ou se realmente iria me ajudar. De repente, ouvi a voz da minha mãe falando que podia confiar nele. Então, dei alguns passos e subi as escadas.

A casa era extremamente branca e clara. Eu não sabia que exatamente que horas eram, mas o céu lá fora estava brilhando em tons de azul. Puxei as mangas da jaqueta e o capuz, para cobrir meu corpo. Entreguei o diário para o meu pai e coloquei as mãos nos bolsos. Se a luz não tocasse a minha pele, tudo ficaria bem. Após pegar as chaves do carro em um pote de porcelana azul, saímos da casa. As árvores da entrada faziam sombra sob o caminho até o caro, apesar disso, andei com cautela desviando de pequenos pontos de luz.

— Então, você pode andar no sol. — Disse ele, ao entrarmos no carro.

— Acho que sim.

Robin sorriu, dando partida logo em seguida para a biblioteca.

As ruas estavam movimentadas, mas não tanto quanto na noite anterior. Algumas pessoas ainda andavam apressadas, provavelmente estavam atrasadas, outros andavam com animais presos em correntes e pareciam estar aproveitando o dia de sol. Robin dirigia sem pressa pelas ruas, sempre parando nas sombras quando precisavam esperar nos sinais.

A biblioteca de Landerton era gigantesca, mas não chegava aos pés da que tinha na comunidade, apesar de parecer tão velha quanto. A pintura amarela claro descascava em alguns pontos na parte da frente, mas isso não tirou a beleza da construção. Robin entrou na garagem subterrânea e estacionou o carro. Subimos um lance de escadas, dando de cara com uma moça na recepção. Seu cabelo loiro estava preso em um coque no topo da cabeça e assim que viu meu pai, seu sorriso se alargou. Se ela forcasse mais um pouco, os cantos da boca poderiam bater nas orelhas.

— Chefe de polícia Bishop, é um prazer ver o senhor aqui. — Ela gesticulou abrindo os braços de forma exagerada, provavelmente querendo indicar a biblioteca. — Em que posso lhe ajudar?

— Eu vou usar a sala de estudo no andar de cima para fazer uma pesquisa…

— Para um caso? É importante?

Ao ouvir a forma animada com que ela estava falando, quase pulando a bancada e vindo em direção, fixei o olhar em seu rosto e segundos depois eu estava sem sua mente.

“Ele fica tão sexy sem aquela roupa de policial enorme, ah, como eu queria ter chamado ele primeiro para a festa de verão. Hoje eu que estaria casada com ele e… quem é aquela garota estranha ali?”

Tossi baixinho, assim que sai da mente da garota e meu pai olhou para mim. De alguma forma ele percebeu que eu estava prestes a rir, e então, indiquei com a cabeça o lado direito da entrada.

— Não, assuntos pessoais. — Ele sorriu, colocando uma das mãos nas minhas costas. — Mas obrigado, Joice. Caso a gente precise, te chamarei.

— Ela gosta de você. — Sussurrei, abrindo um sorriso discreto e só consegui ouvir ele me pedindo para fazer silêncio.

Minutos depois estávamos dentro de uma sala reservada. A mesa redonda de madeira estava cheia de livros com capas de couro e letras desgastadas em dourado contando histórias de vampiros que nunca ouvi falar, e aparentemente a mais conhecida era de um tal de Drácula e Edward Cullen. Revirei os olhos ao passar por algumas páginas que diziam que para matar vampiros bastava enfiar estacadas de madeira em seu coração que ele pararia de bater e assim “a criatura” iria morrer.

— Isso é ridículo. — Passei a página indignada. — Enfiar estacas de madeira em vampiros para fazer o coração parar de bater. A maioria nem tem coração. — Na página seguinte, tinham mais maneiras de matar vampiros, como usar alho, água benta e cruzes sagradas.

— Sério? — Meu pai levantou o olhar sob o livro que estava lendo, na lombada o título identificava o volume como “Tudo o que precisa saber sobre as criaturas do submundo”.

— Bom, não literalmente. Mas falo que muitos deles são maus e parecem não ter coração.

— Entendi. — Ele respondeu, logo perdendo o interesse. Seus olhos corriam rápidos pelas páginas até parar e focar em um dos lados. — Olha, o que acha disso aqui?

A página que lhe chamara a atenção agora estava virada para mim. Tinha um enorme desenho de um homem, com roupas antigas. Ele estava parado em um portão grandioso em frente a uma casa que devia ser do estilo vitoriano, em suas mãos havia um objeto que eu reconhecia de longe, assim como a expressão de superioridade do homem.

— Esse é Cristopher Talus e isso na mão dele, é O Livro Negro.

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Um abraço,

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